domingo, 12 de julho de 2009

MANHÃ SUBMERSA


Manhã Submersa, Ruela, 2008. Seleccionada pelo júri do Concurso Internacional de Artes Plásticas ENCONTRARTE para concorrer na mostra a ser realizada entre os dias 23 e 26 de Julho de 2009 em Amares, na disciplina plástica Fotografia.


Captei esta fotografia em solo sagrado no pico de uma serra situada no norte do distrito de Aveiro (Senhora da Saúde), numa manhã de Inverno submersa pela chuva e nevoeiro.
O título (fotografia) é uma homenagem a "Manhã Submersa" de Vergílio Ferreira, um dos mais importantes romancistas portugueses do século XX, que como seu último desejo quis ser sepultado “virado para a serra”. Uma obra poderosa que oscila entre a luz e as sombras, uma luta entre o corpo e o espírito em que o corpo acaba por ser mutilado em nome da libertação do espírito. "Manhã Submersa" foi escrita em 1953 e adaptada em 1980 para o cinema pelo realizador Lauro António, sendo esta a sua prima longa metragem; Vergílio Ferreira integra o elenco do filme na personagem do Reitor.


Cena do filme "Manhã Submersa" de Lauro António, filmada na estação do Larinho, 1980


"Lauro António consegue transformar a amarga consciência da tragédia que sobressai da obra de Vergílio Ferreira na constatação serena de uma certa tristeza/castração nacional. O trajecto de António (um trabalho apreciável de Joaquim Manuel Dias) serve sobretudo de revelador de uma paisagem social que, embora situada nos anos 40, é raiz e seiva do nosso quotidiano de hoje."

Jorge Leitão Ramos, in Dicionário do Cinema Português, ed. Caminho.


Extracto:


(...) o peso da dor nada tem que ver com a qualidade da dor. A dor é o que se sente. Nada mais. Desisto definitivamente de me iludir com a minha força de adulto sobre o peso de uma amargura infantil. Exactamente porque toda a vida que tive sempre se me representa investida da importância que em cada momento teve. Como se eu jamais tivesse envelhecido. Exactamente porque só é fútil e ingénua a infância dos outros - quando se não é já criança.

(...) Estranho poder este da lembrança: tudo o que me ofendeu me ofende, tudo o que me sorriu sorri: mas, a um apelo de abandono, a um esquecimento «real», a bruma da distância levanta-se-me sobre tudo, acena-me à comoção que não é alegre nem triste mas apenas «comovente»... Dói-me o que sofri e «recordo», não o que sofri e «evoco».

(...) Eu vivia, de resto, agora, e cada vez mais, da minha imaginação. E foi por isso a partir de então que eu descobri a violência da realidade. Nada era como eu tinha fantasiado e não sabia porquê. Parecia-me que havia sempre outras coisas à minha volta que eu não supunha, e que essas coisas tinham sempre mais força do que eu julgava. Assim, a minha pessoa e tudo aquilo que eu escolhera para mim não tinham sobre o mais a importância que eu lhes dera. Chegado à realidade, muita coisa erguia a voz por sobre mim e me esquecia.

(...) Quando algum de nós se afastava para dentro de si próprio, logo a vigilância alarmada dos prefeitos o trazia de rastos cá para fora. Os superiores sabiam que, à pressão exterior, cada um de nós podia refugiar-se no mais fundo de si. Como sabiam também que a descoberta de nós próprios era a descoberta maravilhosa de uma força inesperada. Nenhuns sonhos se negavam ao apelo da nossa sorte, aí na nossa íntima liberdade. Por isso nos expulsavam de lá. Mas, uma vez postos na rua, havia ainda o receio de que as nossas liberdades comunicassem de uns para os outros e ficassem por isso ainda mais fortes. E assim nos obrigavam a integrar-nos numa solidariedade geométrica, ruidosa e exterior como de ladrilhos.


Vergílio Ferreira, Manhã Submersa, 1953


Manhã Submersa, Xutos & Pontapés, 1997

1 comentário:

Å®t Øf £övë disse...

Ruela,
Sou verdadeiramente fã desta música dos Xutos.
Abraço.